DECISÃO – PROCESSO EM FACE DO CONCURSO DO MUNICIPIO DE CABO DE SANTO AGOSTINHO

Edital de convocação 002/2023
11 de setembro de 2023
EDITAL DE CONVOCAÇÃO 0004 2023
9 de novembro de 2023
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PROCESSO Nº: 0800853-84.2023.4.05.8312 – PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL
AUTOR: CONSELHO REGIONAL DE TÉCNICOS EM RADIOLOGIA DA 15 REGIÃO.
RÉU: MUNICIPIO DO CABO DE SANTO AGOSTINHO.
35ª VARA FEDERAL – PE (JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO)

 

 

DECISÃO

Trata-se de AÇÃO ORDINÁRIA, com pedido liminar, ajuizada pelo CONSELHO REGIONAL DE TÉCNICOS EM RADIOLOGIA – CRTR – 15ª REGIÃO/PE contra o MUNICIPIO DO CABO DE SANTO AGOSTINHO/PE, impugnando regras do Edital n° 01/2023 do Processo Seletivo Simplificado para a Prefeitura do Cabo de Santo Agostinho, destinado, dentre outros cargos, a selecionar técnicos em radiologia.

Defende a existência de interesse de agir e a competência da Justiça Federal para julgar a causa. Insurge-se contra o Edital nº 01/2023, de 04 de setembro de 2023, destinado à contratação temporária de cargos no Município do Cabo de Santo Agostinho/PE, apontando supostas irregularidades no que concerne à previsão de remuneração no valor de R$ 1.320,00, sem o acréscimo de 40% (quarenta por cento) de risco de vida e insalubridade.

Argumenta que a Lei n° 7.394/85 prevê a remuneração mínima para técnico em radiologia, acrescida de 40% (a título de risco de vida e insalubridade), o que não foi obedecido pelo Município réu.

Narra que a ADPF 151, ao se manifestar cautelarmente acerca do art. 16 da Lei 7.394/1985, manteve a remuneração dos profissionais de Técnicos em Radiologia em 02 (dois) salários mínimos nacionais, levando em conta o valor à época do trânsito em julgado da decisão (R$ 545,00 a partir de 01/01/2011), sendo seu ajuste desvinculado do salário mínimo (o que se mostra inconstitucional), passando a ser reajustado anualmente, de acordo com os critérios gerais para ajuste salarial, incidindo sobre esses vencimentos 40% (quarenta por cento) de risco de vida e insalubridade.

Em pleito liminar, pugna pela suspensão do andamento do processo seletivo com relação ao cargo de técnico em radiologia até a retificação do edital regulamentador, (como pedido alternativo requer a suspensão das nomeações), no sentido de que a remuneração prevista para o cargo de Técnico em Radiologia seja estabelecida em 02 (dois) salários mínimos, com o acréscimo de 40% (quarenta por cento) do adicional de insalubridade, ou o valor de R$ 3.006,46 (três mil e seis reais e quarenta e seis centavos) – valor previsto na ADPF 151/DF, reajustado desde a referida data até o mês de maio do ano de 2023, com base nos parâmetros gerais de correção salarial, procedendo-se à reabertura de prazo de inscrição, somente para o cargo de técnico de radiologia, com as novas mudanças advindas de ordem judicial e de acordo com a Lei nº 7.394/85.

Emenda à inicial cumprida em 15/09/2023 (id. 4058312.28208026).

Vieram-me os autos conclusos.

 

É O RELATÓRIO.

DECIDO.

 

Reputo a existência de interesse de agir, uma vez que cabe ao Conselho normatizar e fiscalizar o exercício profissional dos técnicos em radiologia. Entendo competente ainda a Justiça Federal para processar e julgar a lide, tendo em vista a natureza jurídica de autarquia federal dos conselhos de fiscalização profissional.

Passemos à análise do pedido liminar.

Consoante o art. 300 do CPC/2015, a tutela de urgência demanda elementos que evidenciem a probabilidade do direito alegado (fumus boni iuris) e o perigo de dano ou risco do resultado útil do processo (periculum in mora), dispensando-se este segundo requisito nas hipóteses de tutela de evidência (art. 311, do CPC/2015).

No caso dos autos, em um juízo sumário, próprio das tutelas de urgência, verifico a presença dos requisitos exigidos para a concessão da tutela antecipada. Vejamos.

As normas previstas em edital regulamentador do concurso público têm força de lei entre as partes, devendo ser observadas em todos os seus termos.

Então, sendo verificado algum tipo de nulidade em mencionado instrumento deve tão logo ser sanada.

De fato, o edital ora impugnado prevê a remuneração para o cargo de técnico em radiologia no valor de R$ 1.320,00 (mil trezentos e vinte reais), sem o adicional de risco de vida e insalubridade de 40% (quarenta por cento), e com carga horária de 24 horas semanais (Id. 4058312.28128169 – p. 43).

Sobre o tema, há previsão expressa na Lei n° 7.394/85, que regula o exercício da profissão de técnico em radiologia, in verbis:

 

Art. 14 – A jornada de trabalho dos profissionais abrangidos por esta Lei será de 24 (vinte e quatro) horas semanais.

Art. 16 – O salário mínimo dos profissionais, que executam as técnicas definidas no Art. 1º desta Lei, será equivalente a 2 (dois) salários mínimos profissionais da região, incidindo sobre esses vencimentos 40% (quarenta por cento) de risco de vida e insalubridade.

 

No que diz respeito à remuneração mínima, o STF já se manifestou, em sede cautelar, na ADPF 151, assegurando o piso salarial da categoria no valor de 02 (dois) salários mínimos vigentes na data do trânsito em julgado, em decisão publicada em 06/05/2011, bem como carga horária de 24h semanais. Vejamos:

 

Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Direito do Trabalho. Art. 16 da Lei 7.394/1985. Piso salarial dos técnicos em radiologia. Adicional de insalubridade. Vinculação ao salário mínimo. Súmula Vinculante 4. Impossibilidade de fixação de piso salarial com base em múltiplos do salário mínimo. Precedentes: AI-AgR 357.477, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, DJ 14.10.2005; o AI-AgR 524.020, de minha relatoria, Segunda Turma, DJe 15.10.2010; e o AI-AgR 277.835, Rel. Min. Cezar Peluso, Segunda Turma, DJe 26.2.2010. 2. Ilegitimidade da norma. Nova base de cálculo. Impossibilidade de fixação pelo Poder Judiciário. Precedente: RE 565.714, Rel. Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, DJe 7.11.2008. Necessidade de manutenção dos critérios estabelecidos. O art. 16 da Lei 7.394/1985 deve ser declarado ilegítimo, por não recepção, mas os critérios estabelecidos pela referida lei devem continuar sendo aplicados, até que sobrevenha norma que fixe nova base de cálculo, seja lei federal, editada pelo Congresso Nacional, sejam convenções ou acordos coletivos de trabalho, ou, ainda, lei estadual, editada conforme delegação prevista na Lei Complementar 103/2000. 3. Congelamento da base de cálculo em questão, para que seja calculada de acordo com o valor de dois salários mínimos vigentes na data do trânsito em julgado desta decisão, de modo a desindexar o salário mínimo. Solução que, a um só tempo, repele do ordenamento jurídico lei incompatível com a Constituição atual, não deixe um vácuo legislativo que acabaria por eliminar direitos dos trabalhadores, mas também não esvazia o conteúdo da decisão proferida por este Supremo Tribunal Federal. 4. Medida cautelar deferida. (STF – ADPF-MC 151 – DJE 06/05/2011).

 

A decisão do STF determinou ainda que o reajuste da remuneração não pode ter como base o valor do salário mínimo, que não pode ser considerado índice de atualização. Foi dito que devem ser utilizados os índices gerais de correção, levando-se em consideração o salário à época do trânsito em julgado da decisão cautelar em ADPF. Considerando que o valor do salário mínimo no ano de 2011 era de R$ 545,00, dois salários mínimos totalizam o montante de R$ 1.090,00 (mil e noventa reais).

O STF julgou o mérito da ADPF 151, fixando as seguintes bases:

 

Dessa forma, julgo parcialmente procedente o pedido para declarar a não-recepção do art. 16 da Lei nº 7.394/1985, ressalvando, porém, que: (i) os critérios estabelecidos pela referida lei devem continuar sendo aplicados, até que sobrevenha norma que fixe nova base de cálculo, seja lei federal, editada pelo Congresso Nacional, sejam convenções ou acordos coletivos de trabalho, ou, ainda, lei estadual, editada conforme delegação prevista na Lei Complementar 103/2000; (ii) fica congelada a base de cálculo em questão, a fim de que seja calculada de acordo com o valor de dois salários mínimos vigentes na data do trânsito em julgado da decisão que deferiu a medida cautelar (i.e., 13.05.2011), de modo a desindexar o salário mínimo.

 

Além de o edital prever remuneração em valor inferior aos dois salários mínimos da época (R$ 1.320,00), o documento não traz o adicional de 40% (quarenta por cento) de risco de vida e insalubridade previsto em lei.

Portanto, em uma análise preliminar das normas do edital impugnado, verifica-se uma aparente afronta à previsão legal, o que acarreta a necessidade de sua adequação de modo a prever, em relação ao cargo de técnico em radiologia a remuneração de 02 (dois) salários mínimos, vigente em maio de 2023 (R$ 2.640,00, acrescida de 40% do adicional de insalubridade), o que totaliza R$ 3.006,46 (três mil e seis reais e quarenta e seis centavos).

Sobre o assunto:

 

ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. CONCURSO PÚBLICO MUNICIPAL. CARGO DE TÉCNICO EM RADIOLOGIA. CLÁUSULAS REFERENTES À CARGA HORÁRIA E VENCIMENTOS. DESCOMPASSO COM AS DETERMINAÇÕES IMPOSTAS PELA LEI 7.394/85. ADEQUAÇÃO QUE SE IMPÕE. REMESSA OFICIAL IMPROVIDA. 1. Trata-se de remessa oficial em face de sentença prolatada pelo douto Juízo Federal da 20ª Vara da SJ/PE que, mantendo a concessão da medida liminar, julgou procedente o pedido no sentido de determinar à demandada a adequação do Edital 1/2012 da Prefeitura Municipal de Cabrobó, de modo a prever, em relação ao cargo de Técnico em Radiologia, jornada de trabalho semanal de 24 horas e remuneração de 2 salários mínimos vigente em maio de 2011, acrescida de 40% do adicional de insalubridade. 2. A Carta Magna, em seu art. 37, I, preceitua que “os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei”, bem como, no art. 22, XVI, define que compete privativamente à União legislar sobre as condições para o exercício de profissões. 3. Da simples leitura dos dispositivos constitucionais é possível concluir pela prevalência da legislação federal sobre a legislação municipal, o que torna obrigatório o cumprimento das disposições da Lei nº 7.394/85, que regula o exercício da Profissão de Técnico em Radiologia, quando se cuida do preenchimento de cargo de profissional da respectiva área. 4. Tal diploma legal, em seus arts. 14 e 16 estabelecem a jornada de trabalho dos referidos profissionais em 24 (vinte e quatro) horas semanais, e, salário mínimo equivalente a 2 (dois) salários mínimos profissionais da região, incidindo sobre esses vencimentos 40% (quarenta por cento) de risco de vida e insalubridade. 5. Assim, O Edital nº 001/2012, ao estabelecer jornada de trabalho de 40 horas semanais e salário de R$ 622,00, sem o acréscimo de 40% referente ao risco de vida e insalubridade, para o cargo de Técnico em Raio-X, impôs carga de trabalho superior ao definido em lei e fixou a remuneração abaixo do piso salarial da categoria profissional, divergindo da legislação federal que regulamenta a profissão, podendo sofrer controle de legalidade pelo Poder Judiciário. 6. Sob este prisma, devem mesmo serem adequadas as cláusulas do edital sob foco, referentes à carga horária e à remuneração dos profissionais operadores de Raio-X, às determinações asseguradas pela Lei 7.394/85. 7. Remessa oficial a que se nega provimento. (REO 00002748220124058304, Desembargador Federal Manoel Erhardt, TRF5 – Primeira Turma, DJE – Data::29/08/2013 – Página::265.) 

 

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. CARGO DE TÉCNICO EM RADIOLOGIA. CARGA HORÁRIA. REMUNERAÇÃO DO CARGO MAIS ADICIONAL DE INSALUBRIDADE E RISCO DE VIDA. LEI N. 7.394/85. DECRETO N. 92.790/86. ADPF 151/DF DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. STF. OBSERVÂNCIA DA LEGISLAÇÃO ESPECIAL. 1. A Lei 7.394/1985, que rege a profissão de Técnico em Radiologia, dispõe que a jornada de trabalho dos profissionais de radiologia será de vinte e quatro horas semanais o salário-mínimo dos profissionais será equivalente a dois salários-mínimos profissionais da região, incidindo sobre esses vencimentos 40% de risco de vida e insalubridade, segundo a redação dos artigos 14 e 16, respectivamente. 2. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADPF 151/DF-MC, reconheceu a não recepção do art. 16 da Lei 7.384/85. Todavia, concluiu que os critérios fixados pela referida lei deveriam continuar sendo aplicados até que lei posterior estabelecesse nova base de cálculo. Na ocasião determinou-se que a base de cálculo em questão ficaria congelada no valor de dois salários-mínimos vigentes na data do trânsito em julgado [daquela] decisão, com o objetivo de desindexar o salário-mínimo. Assim, o salário dos Técnicos em Radiologia será de R$ 1.090,00 (mil e noventa reais) mais 40% de insalubridade e risco de vida. 3. Constata-se que além do texto da lei ser claro, taxativo e conclusivo, existe a ADPF 151 definindo o salário dos Técnicos em Radiologia, não permitindo interpretação diversa do enunciado, ao fixar o piso salarial dos referidos profissionais acrescidos do adicional de insalubridade. 4. A jurisprudência deste Tribunal já decidiu que a carga horária e remuneração dos profissionais de radiologia devem obedecer aos ditames da Lei 7.394/85 e do Decreto 92.790/86. Precedentes. 5. O edital do certame em questão disponibilizou quatro vagas para o cargo de Técnico em Radiologia, com carga horária de trabalho de quarenta horas semanais e remuneração inicial R$ 1.303,31 (mil trezentos e três reais e trinta e um centavos) sem previsão de adicional de insalubridade, em desacordo com a Lei 7.394/1985 e o Decreto 92.790/1986. 6. Desse modo, estando a profissão de Técnico em Radiologia submetida à legislação especial, impõe-se a sua observância devendo, portanto, ser respeitada a carga horária semanal de vinte e quatro horas e a remuneração equivalente ao valor de R$ 1.090,00 (mil e noventa reais) mais 40% de insalubridade e risco de vida. 7. Remessa oficial a que se nega provimento. Sentença confirmada. (REO 00401178720134013500 0040117-87.2013.4.01.3500 , JUÍZA FEDERAL DANIELE MARANHÃO COSTA (CONV.), TRF1 – QUINTA TURMA, e-DJF1 DATA:09/06/2016 PAGINA:.) 

 

Atente-se, por relevante, que a competência para legislar sobre as condições para o exercício das profissões é privativa da União, razão pela qual ainda que haja lei municipal sobre o assunto deve ser aplicada a Lei nº 7.394/85.

Tais observações indicam a existência do requisito da probabilidade do direito do autor.

O requisito de perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo é patente, haja vista que o concurso público previsto no edital impugnado já está em andamento, com inscrições que encerrarão em 02/10/2023 (Id. 4058302.28128169 – pág. 5).

Desta feita, presentes os requisitos legais, o deferimento do pedido de antecipação dos efeitos da tutela é medida que se impõe.

 

CONCLUSÃO

 

Ante o exposto, DEFIRO o pedido de antecipação dos efeitos da tutela de urgência, para determinar a suspensão do processo seletivo simplificado referente ao Edital nº 01/2023, para provimento de cargos efetivos no Município do Cabo de Santo Agostinho/PE, em relação ao cargo de técnico em radiologia, até a retificação do edital regulamentador, com remuneração de dois salários mínimos acrescida de 40% de insalubridade e risco de vida, com reabertura do prazo de inscrição, conforme exposto acima, ou ulterior pronunciamento deste Juízo.

O critério de cálculo deverá ser o estabelecido pelo STF: fica congelada a base de cálculo em questão, a fim de que seja calculada de acordo com o valor de dois salários mínimos vigentes na data do trânsito em julgado da decisão que deferiu a medida cautelar (i.e., 13.05.2011), de modo a desindexar o salário mínimo. A atualização deverá ser realizada de acordo com o IPCA.

Intime-se o Município do Cabo de Santo Agostinho/PE, de forma pessoal, para cumprimento desta decisão, no prazo de 05 (cinco) dias, sob pena de imposição de multa, citando-o no mesmo ato para, querendo, apresentar contestação.

Destaco que não se aplica ao presente caso a finalidade da audiência conciliatória prévia prevista no artigo 319, VII, do novo CPC, pois é possível antever que o réu não fará acordo.

Caso arguida preliminar e/ou alegado pela parte ré fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, vista a parte contrária a fim de, no prazo de 15 (quinze) dias, apresentar manifestação.

Não sendo necessária a réplica ou, caso seja necessária, já tenha ela sido apresentada ou já tenha decorrido o prazo para sua apresentação, venha o processo concluso.

Publique-se. Intimem-se. Cumpra-se.

 

 

JUIZ FEDERAL

 

Processo: 0800853-84.2023.4.05.8312
Assinado eletronicamente por:
MARCOS ANTONIO MACIEL SARAIVA – Magistrado
Data e hora da assinatura: 19/09/2023 13:23:57